quinta-feira, 4 de março de 2010

A HISTÓRIA DE HERTA


Herta era neta de alemães e conservou-se solteira, para cuidar de seu pai, eram almas afins, e viveram juntos por longos anos, até que seu pai vem a falecer. Herta apesar de virtuosa e recatada, conservava o orgulho da sua descendência européia, e discretamente, considerava superior a toda a vizinhança. Não se relacionava com os vizinhos; uma família de nordestino, o qual para ela era os “mestiços”, o dono da mercearia, que ela considerava um degenerado dado à bebida e a preguiça. Na esquina da rua, erguia-se uma construção, cujos pedreiros eram rudes e ela procurava evitar, mudando de calçada.
Passando anos, Herta já velhinha e cardíaca, vai atender a porta, e uma mulher negra de cabelos arrepiados e roupas imundas, de fala atrapalhada, traz nos braços um recém-nascido embrulhado em trapos. Herta recuou diante da aparição desagradável, e tentou fechar a porta, mas a pobre mãe lhe fazia sinais claros: queria comida e queria leite.
Com um gesto zangado mandou que esperasse, e voltou com uma garrafa de leite, uns pães e uma maçã, e entregou tudo a mendiga, fechando a porta com alívio. Passado alguns dias Herta desencarnou.
Despertada e inteirada da sua situação, perguntou sobre o pai tão querido. Onde andava? Porque não viera recebê-la? O mentor que a ouvia compassivo apontou uma tela na parede do quarto, que se iluminou para trazer-lhe as imagens da Terra.
Com um espanto incontido, reconheceu-o teu pai nos braços da negra estirada na calçada bem próxima à sua casa. Alcoolizada, ela se deixava ficar sob a chuva fina com a criancinha que chorava de frio e fome. Herta sentiu que forças poderosas a atraiam de volta a Terra. E em espírito, se viu diante da mendiga. Lembrou-se do leite que aquecia na panelinha reluzente e imaginou-se preparando uma reconfortante mamadeira. Num impulso, correu para casa tentando, inutilmente, torcer o trinco da porta. E voltando-se para o bebê querido do qual reconhecia agora o pai amado, olhou a sua volta em desespero. A quem recorrer?
Ai, surpresa, viu a vizinha sergipana que, condoída, saí a chuva para entregar um prato de comida a pobre e um copo de leite. Agora Herta podia ver a bondade por trás dos traços grosseiros da nordestina. Foi o dono do bar quem acorreu solicito, com um plástico grosso e recomendou a mulher que viesse se abrigar com a criança debaixo da sua marquise. Dentro em pouco trouxe-lhe um café bem quente. Herta em lágrimas tentava limpar a chuva do rostinho do bebê, mas já não tinha mãos tangíveis. Foi então que um jovem mulatinho, ajudante de pedreiro da obra da esquina, se aproximou meio tímido, ajoelhou-se perto da mulher e pegou-lhe o braço: - vamos tia, vem comigo. Tem umas tabuas lá na obra e fiz um coberto. Deixo você dormir lá. Cambaleante, levantou-se a mendiga. O mulatinho pegou no colo o bebê que ela mal sustentava. E pensou, comovido: - eu já fui assim um dia, como este negrinho. Ele sou eu. E o apertou ternamente contra a camisa suada.
E Herta então passou a habitar aquele coberto e a cuidar dele com muita dedicação do que concedera à sua casinha anti-séptica, perdida para sempre. E ficou tão ocupada que esqueceu por completo dos seus louros cabelos e do branco imaculado da sua tez

Autor anônimo

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